Tuesday, April 07, 2009


BILLIE HOLIDAY, UMA DIVA NA CORDA BAMBA.
Eis ai a grande verdade sobre Billie Holiday: viveu na corda bamba todo o pouquissimo tempo que passou entre nós.
Começando pelo fato de que era branca demais para ser considerada negra e negra demais para ser vista como branca.
Fez péssimas escolhas amorosas e alimentou relações abusivas que desaguaram no consumo freqüente de drogas, prisões, internações e o fim melancólico aos 44 anos, abandonada em um hospital de Nova York.
Diz a lenda que logo após a sua morte, um curioso que passava pelo corredor do hospital perguntou: “De que ela morreu”? Alguém respondeu: “ De tudo, meu amigo, de tudo”.
Os biógrafos costumam usar as primeiras linhas para enfatizar que ela nasceu da relação de duas crianças (a mãe com 13 e o pai com 15) e que ela foi buscar o seu limite paterno na droga, o materno na bebida e a realização no carinho do público.
Impossível não atentar também para a preocupação de escribas como Donald Clark que escreveu “Wishing on the Moon”e Robert Meally autor de “The Many Faces of Billie Holiday” que focam com riqueza de detalhes na suposta bissexualidade da grande cantora.
O circo de sua vida pegava fogo e seus discos eram vendidos aos milhões.
A maravilhosa "Lady Day", nasceu Eleanora Fagan em Baltimore (Maryland), no dia 07 de abril de 1915, filha de Sadie Fagan e Clarence Holiday. O pai, de classe média, foi guitarrista da orquestra de Fletcher Henderson nos anos 30 e sempre esteve ausente. Compartilhando com a mãe a injustiça social vivida num gueto negro do Harlem e violada aos 11 anos, foi faxineira de ricos e prostituta durante algum tempo.
Acusada de descaso, Sadie Fagan foi presa e a filha enviada para um reformatório, em 1929. Durante cerca de 3 meses, Billie esteve na casa correcional em Blackwell East River, hoje Welfare Island.
Seu porte altivo valeu, entre as detentas, o apelido de Lady e o Day veio do sobrenome do pai. No reformatório, cantava para as companheiras.
Terminada a pena, a técnica intuitiva, o gosto inato para escolher repertório e a capacidade vocal começaram a chamar atenção e foram aperfeiçoados nos bares de segunda classe de Nova York e nos night clubs do Harlem.
A carreira começou para valer nas sessões matinais do Apollo Theatre, que também serviram como "vitrine" para muitos outros artistas. Aos 20 anos, acompanhada ao piano por Bobbie Henderson, sua primeira semana de contrato foi renovada, desta vez com a orquestra de Ralph Cooper.
Historiadores do jazz estabelecem uma mixagem entre o ritmo elegante da execução musical do pai com a criatividade necessária para sobreviver na pobreza extrema da mãe - o que resultou num swing descontraído, inédito para a época, já que Billie não teve nenhuma formação musical e a escolaridade era pouca.
A seqüência do caminho profissional foi entrar em estúdio e gravar uma sessão dirigida por Teddy Wilson, músico e pianista sensível. Esta gravação histórica contém "I Wished On The Moon" e "You Miss Brown To You".
Na autobiografia "Lady sings the blues", traduzida para o português e editada pela Zahar em 2003 – e agora relançada - Billie conta que tentou, sem sucesso, recuperar esta fita, durante a vida inteira.
Benny Goodman, Roy Eldridge, Ben Webster e outros grandes nomes do jazz aparecem nas gravações seguintes, energizados pela magia inovadora de canto da bela Eleanora, agora, definitivamente, Billie Holiday.
Foi vocalista da orquestra de Count Basie (1937-38) e de Artie Shaw (1938), causando furor nos segregacionistas-racistas que usavam o argumento das chamadas "Leis Jim Crow" para agredir aquela negra/branca que ousava ficar à frente de uma formação de banda musical.
Melhor... Billie combateu à sombra, iniciando carreira solo, acompanhada pelo sempre presente Teddy Wilson, Lester Young e o trompetista Buck Clayton.
A produção do duo musical e afetivo Billie Holiday/ Lester Young , costuma ser considerada o que de melhor já aconteceu na fonografia jazzística.
Em 1939, já conhecida, trabalhou durante nove meses no "Café Society" (cujo slogan era "The wrong place for the right people", o lugar errado para as pessoas certas).Neste local celebrizou "Strange Fruit" libelo anti-racista de autoria do professor judeu Abel Meerop, sob o pseudônimo Lewis Allan denunciando a prática do linchamento de negros.Tornada um hit mundial, "Strange Fruit" fez de Billie Holiday a encarnação da música engajada na época.
No plano pessoal, as coisas iam mal. Alcoólatra, fumante de nicotina e maconha, "bulíca sexual" como a classifica um biógrafo, tornou-se adicta das drogas pesadas, de ópio, heroína e das outras que se tornaram populares nos anos 40.
Rica, reconhecida e admirada pelo público, eleita melhor cantora de jazz pela revista Esquire (1943) na frente de Mildred Bailey e Ella Fitzgerald, começou a sofrer depressões e problemas de saúde.
Foi condenada a uma longa internação num centro federal para drogados na Virgínia, a pedido de seu empresário Joe Glaser. A publicidade negativa dada ao episódio cobrou seu preço: saúde destruída, zero auto estima, falência da big band que administrava com o então marido Joe Guy.Tudo agravado pela morte da mãe e a decepção profissional do corte das cenas do filme de jazz "New Orleans", onde contracenava com Louis Armstrong, trazendo suas mais belas interpretações vocais.
Os anos 50 foram de prisões regulares, perda da carteira de motorista, perda de registro profissional. Não podia mais cantar em locais onde havia venda de álcool, ou seja, fecharam-se as portas da carreira ao vivo, mas a venda dos discos garantia uma boa qualidade de vida no plano material.
A partir de 1957, as drogas e o álcool detonaram a matriz vocal, que se tornou mais e mais rouca e arrastada.De fevereiro de 1958 a maio de 1959, em Londres, ainda participou do Chelsea At Nine Show.
De volta aos Estados Unidos, com graves problemas cardíacos e hepáticos, ficou em prisão domiciliar por porte de drogas.A maior cantora americana de jazz de todos os tempos morreu em condições humilhantes, em 17 de julho de 1959.
Em meio a um duelo em vida por seus futuros direitos de herança seu advogado que, teoricamente, deveria cuidar dos interesses da cliente, se digladiava com Louis McKay, o novo marido desde 28 março de 1957.
Billie Holiday não viveu o suficiente para apreciar a avalanche de livros, biografias, ensaios, teses de mestrado, textos explicativos em CDs, críticas, discografias, filmes (como o de 1972, estrelado por Diana Ross), referências em obras sobre jazz e documentários de tv.
Dicção perfeita, mesmo nos tempos finais quando precisava ser amparada para cantar, o estilo inconfundível, a criatividade na improvisação compensavam a gama vocal limitada.
A "persona non grata" tornou-se uma deusa, um mito, a melhor vocalista do século XX. Vive para sempre, agora ícone, com sua camélia branca luzindo nos cabelos.
Fonte - Livro "Wishing on the Moon" de Donald Clarke.
Clique para ouvir e ver um video com Billie e Louis Armstrong justificando a passagem deles por aqui.

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