Sunday, February 07, 2010

CLEMENTINA DE JESUS

A cantora Clementina de Jesus dizia ter nascido no 7 de fevereiro de 1902, em Valença no Estado do Rio. Mas Clementina não era boa com as datas e sua certidão de nascimento nunca foi encontrada. Em outras ocasiões, ela afirmou que nascera em 1900. Na certidão de casamento com Albino Correa da Silva, ou Albino Pé Grande, a data de nascimento é 7 de fevereiro de 1907. Lena Frias encontrou a certidão de batismo de Clementina, em Valença, datada de 25 de agosto de 1901 e registrando a data de nascimento como o dia 7 de fevereiro daquele ano.

Em documentos diferentes, ela aparece como Clementina Laura de Jesus ou Clementina de Jesus dos Santos. Com o casamento, adotando o nome do marido, tornou-se Clementina de Jesus da Silva. Filha de um pedreiro, também carpinteiro, e de uma parteira e rezadeira, de escravos, por parte de mãe, Clementina cresceu ouvindo canções em línguas das nações africanas constitutivas da comunidade negra de Valença, de origens bantas (é o mais provável, aponta Lena Frias. A mãe, dona Amélia, lavadeira, cantava hinos de igreja e cantigas aprendidas com os pais e com outros negros mais velhos - "gente de um universo de jongo e caxambu, jogos sagrados da espiritualidade da terra", de acordo com a jornalista.


Declarava-se católica, mas, mesmo que não fosse ligada aos cultos de origem africana, ao cantar, chamava a si o lugar de porta-voz dessa cultura. "A descoberta de Clementina de Jesus (...) teve para a música popular brasileira uma importância que presume corresponder, na antropologia, a do achado de um elo perdido", escreve o historiador Ary Vasconcelos. Pois ela resumia, em seu canto, os séculos de história da cultura afro-brasileira, não apenas aquela apreendida na primeira infância.

A família foi para o Rio quando ela tinha coisa de 8 anos. Em Jacarepaguá, Clementina participava dos pastoris e ganhou do festeiro o apelido de Quelé. No folguedo natalino de origem portuguesa, cada figurante tinha um papel. Clementina era a peixeira, mas decorou e guardou os cantos de todos os personagens. Na casa de Mané Psado, macumbeiro de Osvaldo Cruz, área de samba e curima, participou de festas em honra dos orixás. Não que fosse crente, contava, mas gostava da oportunidade de cantar, da festa.

Clementina testemunhou o nascimento da Portela, fez-se amiga de Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Paulo da Portela, foi ensaiadora de pastoras de Heitor dos Prazeres, conheceu tia Ciata, em cujo terreiro nasceu o samba carioca, e cantou em seus candomblés. Foi amiga de Zica, mais tarde mulher de Carlos Cachaça, e desfilou em corso com Noel Rosa, em 1930. Foi diretora da escola de samba Unidos do Riachuelo, amiga de Aniceto, que fundou o Império Serrano - mas não era artista. Era cozinheira, empregada doméstica, banqueteira, quituteira.

Virou mangueirense quando conheceu Albino Pé Grande. Hermínio Bello de Carvalho ouviu-a numa festa da Igreja de Nossa Senhora da Glória, em 1963; foi encontrá-la novamente no ano seguinte. No dia 7 de dezembro de 1964, dirigida por Hermínio, Clementina fez seu primeiro show oficial, no Teatro Jovem, ao lado do violonista clássico Turíbio Santos.

Em 1965, Clementina protagonizou o show Rosa de Ouro, no Rio e em São Paulo. Andrade Muricy, da Academia Brasileira de Música, saudou: "Ela tem insondáveis raízes de terror feiticista, ancestralidade turva que reponta em cada gesto: poreja música de todo o seu ser vibrátil e em perene transe paroxístico; exprime dança e mímica em cada movimento, numa prestigiosa escala de inflexões."

A carreira durou até 1987, quando Clementina, explorada por produtores inescrupulosos, fazia shows baratos em lugares de pouco prestígio. Sua discografia básica consta de 11 títulos. A Petrobras patrocinou, como brinde para seus clientes especiais, uma caixa, com nove dos títulos, os pertencentes à gravadora EMI. A gravadora comprometeu-se em fazer lançamento comercial dos discos, mas não cumpriu. Não existem discos de Clementina no mercado.

A mais importante voz negra da história da música brasileira está calada. Correntes, na Internet, mandam e-mails para a EMI, cobrando o cumprimento da promessa. A gravadora não se pronuncia a respeito.


"Dona Clementina, para mim, era de água, rocha e ouro. Todas as bênçãos brotavam de sua voz única, toda doçura habitava seu colo de mãe", escreveu sobre ela Maria Bethânia. Ouvindo-a cantar, José Ramos Tinhorão escreveu: "A pequena sala é um barco que vaga ao sabor de um ritmo que parecia perdido - mas que, agora sabemos, só estará perdido quando morrer no último barraco a última Clementina de Jesus."

Clementina de Jesus, faleceu em Fevereiro de 1987.


Clementina canta "Ensaboa"
http://www.youtube.com/watch?v=mTSXjgs0kYU


Fonte - Memorial da Fama

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