Johnny Mercer, cujo centenário de nascimento se completa hoje 18 de novembro — fazia tudo bem, no dizer de seu amigo, empregado, intérprete e admirador Frank Sinatra. Mas nada como as mais de 1.200 letras que escreveu para alguns dos maiores compositores americanos: o Harold Arlen de “Blues in the night” e “One for the road”, o Jerome Kern de “I’m old fashioned” e “Dearly beloved”, o Hoagy Carmichael de “Skylark” e “Lazybones”, o Henry Mancini de “Moon River” e “Days of wine and roses”, o Harry Warren de “Dayeaming”, o Richard Whiting de “Too marvelous for words”, o David Raksin de “Laura”.
Mais de uma vez, Tom Jobim lamentou não ter sido Mercer o seu letrista americano, desejo recíproco, que um mau contrato com o esperto Ray Gilbert frustrou.
Entre as comemorações, duas se destacam: “Johnny Mercer, the man and his music”, quatro especiais de TV que Clint Eastwood (que, em 1997, usou na trilha do filme “Meia-noite no jardim do bem e do mal” apenas canções de Mercer), produziu para serem apresentados ao longo do mês nos Estados Unidos; e o livro “The complete lyrics of Johnny Mercer”, que está sendo lançado também nos EUA, sétimo de uma série que o musicólogo Robert Kimball, sozinho ou com parceiros, vem fazendo desde 1982.
Não é um livro comum, mas uma obra monumental, cobrindo rigorosamente toda a obra dos melhores letristas americanos. Mesmo concordando com Alan Jay Lerner (excelente letrista, ainda não focalizado na série), quando compara uma letra sem música a uma criatura esquelética que não deve desfilar nua pelas páginas de um livro; ou mesmo respeitando Chico Buarque, quando diz que, não sendo poesia, uma letra perde o sentido se lida sem a melodia para a qual foi escrita — mesmo com tudo isso, a série “The complete lyrics” é obrigatória para quem se interessa pela canção americana.
Cada letra é apresentada cronologicamente, na íntegra, por vezes com seus versos adicionais, em geral inéditos. Ano de edição ou de primeira gravação, quem a lançou, para que filme ou musical de teatro foi feita e, em muitos casos, histórias e outras informações completam o trabalho de Kimball, aqui coadjuvado pelos especialistas Miles Kreuger, Barry Day e Erik Davis. Tudo isso, entremeado com rico material fotográfico, acaba se transformando numa biografia musical de cada letrista.
Comparando Mercer aos seis que o antecederam na série, temos que, do primeiro, Cole Porter (livro editado em 1982), ele não tem a sofisticação e a universalidade. Enquanto Porter era um milionário com os olhos voltados para a Europa mais culta e, na época, mais chique, Mercer nasceu e cresceu no Sul, e jamais se afastou da infância interiorana, de pés no chão, na qual conviveu com a música e a poesia dos negros de Savannah, na Georgia.
Do segundo, Lorenz Hart (1986), ele não tem o sofrimento e a frustração embutidos em versos feitos mais para si mesmo do que para os intérpretes de seus filmes e peças. Como Hart, Mercer era um maníaco-depressivo minado pelo alcoolismo. Mas, ao contrário do grande parceiro de Richard Rodgers, cantava, e bem, o que, segundo seu biógrafo Bob Bach, era um modo de espantar a tristeza.
Do terceiro, Ira Gershwin (1993), Mercer difere por acreditar que letra de música é uma forma de poesia (“Qualquer semelhança entre letra e poesia — dizia Gershwin — é mera coincidência”). Assim, enquanto o outro chegou a publicar poesia escrita, Mercer musicou as que escreveu. Exemplo disso é a clássica “Dream”. O quarto, Irving Berlin (2001), é um caso à parte entre os letristas americanos. A simplicidade, o aproximar-se do homem comum, nos temas e nas palavras, foram as suas principais qualidades. Como Porter, Berlin compunha suas próprias melodias, de modo que o resultado era mais coeso, mais integrado do que o de Mercer quando é só letrista.
Maior é a aproximação de Mercer com o quinto da série, Frank Loesser (2003). Este, meio tarde, depois dos 40 anos, descobriu seu verdadeiro campo de ação: o teatro musical. Deixou para trás os tempos em que fazia letras para os outros, ou que escrevia sozinho para o cinema, e deu à Broadway dois de seus melho- res shows: “Guys and dolls” e o Prêmio Pulitzer “How to succeed in business without really trying” (traduzido por Carlos Lacerda e Billy Blanco, o musical, com o título “Como vencer na vida sem fazer força”, fez sucesso no Brasil com Moacyr Franco e Marília Pêra nos papéis principais).
Mercer nunca levou a Broadway muito em conta, embora tivesse colaborado com Harold Arlen em “St. Louis woman” (da qual é “Come rain or come shine”) e escrito “Top banana” para o comediante Phil Silvers. Pro- fissional, simplesmente, não recusava uma boa oferta. Por fim, não teve o sentimentalismo do sexto da série, Oscar Hammerstein II (2008). Nem o compromisso deste com os contextos a que servia no momento: praticamente tudo que Hammerstein escreveu foi para musicais da Broadway ou filmes, letras que substituíam o texto falado. Com todos os quatro Oscars ganhos, mais 19 indicações, as canções de Mercer para o cinema, tecnicamente bem construídas, têm algo a ver com a História.
Andy Williams canta "Moon River" de Johnny Mercer/Mancini
http://www.youtube.com/watch?v=flm4xcOyiCo
Fonte - Jornal "O Globo"
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