GILBERTO MESTRINHO E OS DOIS LADOS DA MOEDA.
Entrevistei no programa “Encontro com o Povo” pelo Amazon Sat nesta última quinta-feira, o senador Gilberto Mestrinho que acaba de completar 78 anos de idade. O velho Boto, tal qual Frank Sinatra que manteve o mesmo repertório musical ao longo de sua brilhante carreira, continua com o mesmo discurso contra os “exageros dos eco xiitas ” que segundo ele, posicionam a preservação da floresta como sendo mais importante que o homem amazônico e os mesmos chavões: “Se o povo quiser serei candidato novamente..., “Sempre amei o Amazonas mais do que as mulheres...”, “O Brasil trata árvore como Indiano trata vaca..”. Estes são apenas alguns dos trapézios verbais que o tem mantido no poder por tanto tempo.
O homem demonstra firmeza de propósitos sem igual, e quem duvidar, é só dar uma olhada nos números da sua última eleição vitoriosa ao senado quando recebeu nas urnas 405 mil votos em todo Estado do Amazonas.
De volta a tranqüilidade de minha casa, lembrei-me de um antigo episódio que teve o velho senador como ator principal e que até hoje guardo como uma lição, principalmente, para aqueles que sonham com o poder como meta de conquista.
Depois de ter sido massacrado pelo resultado das urnas na eleição para prefeito de Manaus em 1988, Gilberto Mestrinho fez exatamente o que fazem os perdedores nestas ocasiões: enfiou com toda dignidade que lhe é peculiar a sua viola no saco e foi cantar em outra freguesia. Passou um tempão se fingindo de morto para enganar os bobos na casca do ovo.
Nesta época eu produzia e apresentava um programa domingueiro de 8:00 horas ao meio dia pela Radio Amazonas FM que se chamava “Oficina de Turismo”. O formado era inovador e irreverente. Tocava do jazz ao brega, entrevistava personalidades, políticos, cozinheiras, taxistas, prostitutas, travestis, cheira-colas (recebi um prêmio da hoje extinta Associação Amazonense de Imprensa que na época tinha como presidente o atual Deputado Federal Francisco Garcia, por ter levado pela primeira vez ao estúdio de uma radio cinco meninos de rua que detonaram a policia e seus métodos, o aliciamento dos homossexuais em troca de cola de sapateiro e dinheiro) e comentava sobre um determinado assunto que escolhia a dedo durante a semana. Geralmente, após a minha abordagem, pelo telefone os ouvintes manifestavam-se a favor ou contra, ao serem colocados no ar.
Lembro-me de uma vez em particular quando com muita veemência critiquei as centenas, talvez milhares de “cabocas” de Manaus por estarem pintando os belos e brilhosos cabelos negros, de amarelo, macaqueando uma artista da novela que fazia muito sucesso então. Passeando pela Eduardo Ribeiro aos sábados a impressão era de estar nas ruas dos países da Escandinávia, lotadas de louras.... todas falsas. Como vaticinou o poeta Aldisio Figueiras, Manaus jamais será Liverpool, mas certamente já teve realçado o seu lado Estocolmo (sic), pelo menos nos cabelos de suas mulheres.
Meu comentário deu muito pano para manga e me presenteou com a amizade que cultivo até hoje do meu confrade de diretoria na Associação Brasileira dos Amigos do Vinho, Pedro Missioneiro, um dos ouvintes que se manifestou a favor de minha critica.
Voltando ao eixo deste artigo. Certo dia telefonei, no finalzinho de 1989 para o então cidadão comum sem-mandato Gilberto Mestrinho, pois havia sido informado que ele, na surdina, já havia visitado mais de trinta municípios do Amazonas, como parte da estratégia de retomada do poder, desta vez como candidato a Governador do Estado e que se encontrava em Manaus repousando da maratona interiorana naquele fim-de-semana. Quem atendeu a ligação foi seu fiel escudeiro e sempre gentil Antonio Bentes Pacheco. Aguardei por alguns instantes e de repente escutei a voz do Professor que já veio me saudando efusivamente, perguntando como ia a minha família, o meu trabalho e arrematou dizendo que estava com saudade de nossas entrevistas. Eu então, de forma bem pragmática fui direto ao ponto: convidei-o para relatar o estado em que se encontravam os municípios por ele visitados numa entrevista ao programa. Meu convite foi aceito de pronto e agendamos para o domingo as 8:30 horas nos estúdios da Radio Amazonas.
O domingo amanheceu muito nublado e por volta das 8 horas começou a desabar um toró sobre Manaus, para dorminhoco nenhum colocar defeito. Fiquei apreensivo pois havia divulgado a entrevista a exaustão, esta seria a primeira que ele daria depois que perdeu a eleição e aquele dilúvio parecia que ia colocar areia no meu pirão. Para minha surpresa e gáudio, bate o telefone do estúdio, era a portaria me comunicando que um senhor se auto-denominando “ governador Mestrinho” estava a minha procura. Chovia a píncaros.
O estúdio da Radio Amazonas ficava no final de um grande e bem arborizado terreno baldio onde hoje se encontra o edifício-sede da Rede Amazônica de Televisão. Entre a portaria e a porta do prédio, muita lama, bota lama nisso. No meio do lamaçal caminhando sobre uma ponte improvisada de pranchões, lá vinha ele, amparado por Pacheco, com as calças enroladas, de alpercatas, disputando a proteção de um pequeno guarda-chuva.
A presença dele no programa foi um sucesso de audiência. Entrevista que é bom, quase nada. Tomou conta do programa, escolheu músicas, conversou com os ouvintes pelo telefone, ouviu pacientemente todas as denúncias, queixas e lamúrias, fez promessas e apontou para as soluções, se fosse reconduzido ao Palácio Rio Negro. Encerrou a participação dizendo aos ouvintes: “Se vocês quiserem, eu serei candidato a Governador, fiquem tranqüilos”.
Despediu-se com um abraço fraterno e assegurou que a primeira entrevista como governador-eleito seria para mim. O cidadão Mestrinho deixou o estúdio com o astral mais em cima. Lá fora, o ruído da chuva que não dava trégua, continuava.
Em Dezembro de 1990 , após as eleições, Gilberto eleito, dito e feito. Antonio Pacheco me liga e pergunta onde e quando seria entrevista.