Existem dois tipos de cds de Jazz - aqueles que somente os jazzófilos apreciam e consomem e os que caem no gosto público e tornam-se campeões de vendagem. Para estes últimos, os jazzófilos "mainstream" geralmente torcem o nariz.
O cd com a trilha musical do filme "Round Midnight" é um raríssimo exemplo de uma peça que caiu com tudo nas graças de gregos, troianos e jazzófilos. O disco é uma mistura perfeita do "style jazz" dos anos 50`s/60`s. Nele, o pianista Herbie Hancock, responsável pela compilação das músicas, mistura algumas de suas composições com peças clássicas do jazz. Tudo deu tão certo que alguns resultados surpreenderam: A Academia do Cinema deu um prêmio a Herbie e indicou o saxofonista tenor Dexter "LTD" Gordon para categoria de melhor ator. Feito até hoje não sucedido à nenhum outro músico.
Dexter Gordon protagoniza no filme de Bertrand Tavernier a vida de um músico americano (Dale Turner) exilado em Paris na década de cinquenta. O script mistura muito bem elementos da vida de Lester Young, outro saxofonista famoso que foi parceiro antológico de Billie Holiday e da história da amizade entre o pianista mentalmente perturbado Bud Powell e Francis Paudras. As cenas do começo ao fim são dominadas por um clima de extrema melancolia e geram no espectador uma certa tensão emocional.
Tenho quase certeza que esta deve ser a mesma opinião de meus amigos e parceiros musicais Salomito Benchimol e Zeca Dantas que comigo assistiram, durante uma chuvosa tarde de sábado de muitos vinhos, queijos e outros quitutes, esta obra-prima do jazz.
Mas, taqui aonde eu quero chegar. Ouvir e ver Dexter Gordon tocando em pessoa foi uma das experiências que jamais esquecerei pelo resto de minha vida.
Foi no campus da Radcliffe College em Boston, num friorento final de tarde de outono. O show estava programado para começar as 17:00 horas. Todos começaram a chegar uma hora antes. Pegaram as cadeirinhas de lona e começaram a escolher meticulosa e civilizadamente o lugar com a melhor visão de palco.
As 16:45 o mestre-de-cerimônias com a voz meio embargada anunciou que Long Tall Dexter já se encontrava a caminho e que devido a um problema no trânsito iria se atrasar, "just a little bit more". As 17:30, êle volta nervoso, pede deculpas e solicita um pouco mais de paciência pois Dexter não tardaria a chegar. Aqui cabe uma observação. Não esqueçamos que nos moldes anglo-saxões o atraso é um pecado mortal. Não é a toa que alguém inventou a pontualidade britânica.
Por volta das 18:00 horas toda platéia trocava opiniões sobre o desrespeito e absurdo do atraso e as vozes começaram a subir de tom. As 18:30 horas, lá vem o pobre do mestre-de-cerimônias outra vez, nitidamente desorientado apenas disse: ele virá, "I`m sorry".
A esta altura do não acontecimento, a platéia nervosa estava quase incontrolável mas continuava dentro da medida do possivel, educada e curiosamente ninguém arredava o pé. Não ouvi em nenhum momento qualquer sinal de vaias.
De repente, "out of the blue" sem anúncio, vimos a figura de um homem negro muito alto caminhando cambaleante em direção ao microfone no centro do palco, segurando um saxofone reluzente, enquanto apressadamente os músicos da banda tomavam seus postos diante de seus instrumemntos.
Dexter balbociou algumas palavras de um idioma que até hoje ninguém conseguiu decifrar e repentinamente, um silêncio sepulcral se abateu sobre a platéia, mesmerizada pela presença imponente de um verdadeiro ícone do jazz.
Dexter posicionou-se e, sem olhar para seus companheiros de palco ou para a platéia, começou a solar "Laura" com todo virtuosismo e versatilidade que lhe era peculiar. Foram nove minutos mágicos sem acompanhamento, capela no mais alto grau.
Soladas as últimas notas, virou-se e sem uma única palavra, foi-se embora deixando o palco debaixo da mais emocionante salva de palmas que já presenciei.
O mestre-de-cerimônias envolto pelo mesmo clima de magia veio até o microfone e disse: ladies and gentlemen, thank you.
Um ano depois deste acontecimento, Dexter Gordon saiu de cena, para ocupar na eternidade o seu merecido posto no Panteão dos mitológicos saxofonistas tenores.
O cd com a trilha musical do filme "Round Midnight" é um raríssimo exemplo de uma peça que caiu com tudo nas graças de gregos, troianos e jazzófilos. O disco é uma mistura perfeita do "style jazz" dos anos 50`s/60`s. Nele, o pianista Herbie Hancock, responsável pela compilação das músicas, mistura algumas de suas composições com peças clássicas do jazz. Tudo deu tão certo que alguns resultados surpreenderam: A Academia do Cinema deu um prêmio a Herbie e indicou o saxofonista tenor Dexter "LTD" Gordon para categoria de melhor ator. Feito até hoje não sucedido à nenhum outro músico.
Dexter Gordon protagoniza no filme de Bertrand Tavernier a vida de um músico americano (Dale Turner) exilado em Paris na década de cinquenta. O script mistura muito bem elementos da vida de Lester Young, outro saxofonista famoso que foi parceiro antológico de Billie Holiday e da história da amizade entre o pianista mentalmente perturbado Bud Powell e Francis Paudras. As cenas do começo ao fim são dominadas por um clima de extrema melancolia e geram no espectador uma certa tensão emocional.
Tenho quase certeza que esta deve ser a mesma opinião de meus amigos e parceiros musicais Salomito Benchimol e Zeca Dantas que comigo assistiram, durante uma chuvosa tarde de sábado de muitos vinhos, queijos e outros quitutes, esta obra-prima do jazz.
Mas, taqui aonde eu quero chegar. Ouvir e ver Dexter Gordon tocando em pessoa foi uma das experiências que jamais esquecerei pelo resto de minha vida.
Foi no campus da Radcliffe College em Boston, num friorento final de tarde de outono. O show estava programado para começar as 17:00 horas. Todos começaram a chegar uma hora antes. Pegaram as cadeirinhas de lona e começaram a escolher meticulosa e civilizadamente o lugar com a melhor visão de palco.
As 16:45 o mestre-de-cerimônias com a voz meio embargada anunciou que Long Tall Dexter já se encontrava a caminho e que devido a um problema no trânsito iria se atrasar, "just a little bit more". As 17:30, êle volta nervoso, pede deculpas e solicita um pouco mais de paciência pois Dexter não tardaria a chegar. Aqui cabe uma observação. Não esqueçamos que nos moldes anglo-saxões o atraso é um pecado mortal. Não é a toa que alguém inventou a pontualidade britânica.
Por volta das 18:00 horas toda platéia trocava opiniões sobre o desrespeito e absurdo do atraso e as vozes começaram a subir de tom. As 18:30 horas, lá vem o pobre do mestre-de-cerimônias outra vez, nitidamente desorientado apenas disse: ele virá, "I`m sorry".
A esta altura do não acontecimento, a platéia nervosa estava quase incontrolável mas continuava dentro da medida do possivel, educada e curiosamente ninguém arredava o pé. Não ouvi em nenhum momento qualquer sinal de vaias.
De repente, "out of the blue" sem anúncio, vimos a figura de um homem negro muito alto caminhando cambaleante em direção ao microfone no centro do palco, segurando um saxofone reluzente, enquanto apressadamente os músicos da banda tomavam seus postos diante de seus instrumemntos.
Dexter balbociou algumas palavras de um idioma que até hoje ninguém conseguiu decifrar e repentinamente, um silêncio sepulcral se abateu sobre a platéia, mesmerizada pela presença imponente de um verdadeiro ícone do jazz.
Dexter posicionou-se e, sem olhar para seus companheiros de palco ou para a platéia, começou a solar "Laura" com todo virtuosismo e versatilidade que lhe era peculiar. Foram nove minutos mágicos sem acompanhamento, capela no mais alto grau.
Soladas as últimas notas, virou-se e sem uma única palavra, foi-se embora deixando o palco debaixo da mais emocionante salva de palmas que já presenciei.
O mestre-de-cerimônias envolto pelo mesmo clima de magia veio até o microfone e disse: ladies and gentlemen, thank you.
Um ano depois deste acontecimento, Dexter Gordon saiu de cena, para ocupar na eternidade o seu merecido posto no Panteão dos mitológicos saxofonistas tenores.
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